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Neoliberalismo e Financeirização: os impactos na economia e geopolítica contemporânea (Parte II)

Atualizado: há 23 horas

Segunda parte da entrevista realizada em conjunto com Luísa da Rocha Canazarro


Doutor em Economia das Instituições pela École des Hautes Études en Sciences Sociales-EHESS de Paris e Doutor em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro-IE-UFRJ. Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense-UFF. Economista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professor e pesquisador do Programa de Mestrado e de Doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas-ENCE do IBGE, Professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ e da Faculdade Presbiteriana Mackenzie-Rio, o economista Miguel Bruno falou ao Observatório de Bancos Centrais sobre os impactos das políticas econômicas neoliberais e da financeirização na economia contemporânea.


Neoliberalismo - Ilustração: Elvaso Mediovac
Neoliberalismo - Ilustração: Elvaso Mediovac

Luísa: Qual é a sua visão do tarifaço do Trump? Ele é um ataque ou uma afirmação dos regimes de acumulação financeira? Qual é a sua opinião sobre as ideias de “desdolarização” como alternativa aos países periféricos? Elas fazem sentido ou ainda são muito incipientes?


Prof. Miguel Bruno: A desdolarização faz sentido, pois o dólar, como moeda internacional, dá poder excessivo aos EUA. Keynes propôs o bancor, uma moeda supranacional, em Bretton Woods, mas os EUA rejeitaram a ideia. Agora, países como Rússia e China buscam alternativas ao dólar, especialmente após as sanções econômicas. A guerra na Ucrânia mostrou que o uso do dólar como arma pode ser um tiro no pé, incentivando a busca por moedas alternativas.


O Banco Central é um corresponsável pelo regime de acumulação financeira. Estudos mostram que países com bancos centrais independentes e metas de inflação tendem a ter economias financeirizadas. O Estado brasileiro está capturado pelos interesses do agronegócio e do setor financeiro, incluindo o capital estrangeiro. Galípolo, nomeado para o Banco Central, dificilmente mudará essa estrutura, pois segue o script estabelecido pelos interesses financeiros. A financeirização é um fenômeno global, antidemocrático e concentrador de renda. 


O governo Lula, embora eleito para combater o fascismo, praticou políticas econômicas semelhantes às do governo anterior, como austeridade fiscal e juros altos. Uma luta consistente contra o fascismo deve começar pela economia, não apenas pela narrativa eleitoral. O Brasil precisa de um modelo de desenvolvimento autêntico, com industrialização, salários dignos e redução da dependência do capital financeiro. Caso contrário, continuará estagnado na renda média, sem perspectivas de avanço.


O Banco Central é um corresponsável pelo regime de acumulação financeira. Estudos mostram que países com bancos centrais independentes e metas de inflação tendem a ter economias financeirizadas.

Leonardo: No seu artigo sobre a hipótese de um regime "finance-led" no Brasil, publicado inicialmente em 2009 junto à professora Hawa e outros pesquisadores, é abordado que o regime de crescimento vigente entre 2004-08 enquadrava-se nessa hipótese. Hoje, é possível afirmar que retornamos a um padrão de acumulação dominado pelas finanças? O atual cenário internacional colabora para isso?


Prof. Miguel Bruno: Sim, hoje estamos novamente em um padrão de acumulação dominado pelas finanças, ainda mais intenso do que no período 2004-08. Naquela época, tínhamos um crescimento puxado em parte pelo crédito e pela valorização financeira, mas ainda com algum dinamismo industrial e uma forte demanda externa por commodities. Atualmente, o cenário é pior: a financeirização se aprofundou, a indústria continua encolhendo, e o crescimento depende cada vez mais do setor financeiro e do agronegócio. O cenário internacional, com juros altos nos EUA e volatilidade nos mercados, só reforça essa tendência, pois o Brasil se torna ainda mais atrativo para o capital especulativo em busca de rendimentos elevados com a Selic alta. 


Atualmente, o cenário é pior: a financeirização se aprofundou, a indústria continua encolhendo, e o crescimento depende cada vez mais do setor financeiro e do agronegócio. 

Leonardo: Nossa pesquisa entende que a atuação dos bancos centrais é cada vez mais central para os rumos das economias. Qual é a sua visão sobre o Banco Central nos últimos anos? É possível atribuir à instituição alguma responsabilidade acerca do regime de acumulação, isto é, uma ligação entre o RMF contracionista e o padrão de crescimento/acumulação? 


Prof. Miguel Bruno: O Banco Central brasileiro tem sido um dos principais agentes da financeirização da economia. Sua política monetária altamente restritiva, com juros elevados mesmo em momentos de baixa inflação, não visa apenas controlar preços, mas garantir rentabilidade ao capital financeiro. 


O regime de metas de inflação, combinado com a autonomia do BC, funciona como um mecanismo de transferência de renda para os detentores de títulos públicos e para o sistema bancário. Enquanto o BC mantiver essa postura, o Brasil continuará preso a um modelo de crescimento bloqueado pelas finanças ("finance blockage growth"), em que o setor produtivo é sufocado pela drenagem de recursos para o rentismo.  


Leonardo: Você acredita no potencial de Galípolo em ser uma alternativa viável para a gestão conservadora do Banco Central como mero estabilizador econômico?


Prof. Miguel Bruno: Infelizmente, não acredito que Galípolo representa uma mudança significativa. Ele pode até ter um discurso mais moderado, mas está inserido em uma estrutura institucional capturada pelo setor financeiro. O Banco Central, como está configurado hoje, não é autônomo em relação ao mercado financeiro, apenas em relação ao governo eleito. Galípolo, como outros diretores, seguirá a lógica do sistema: priorizar a estabilidade monetária em detrimento do desenvolvimento produtivo. Enquanto o BC for gerido por técnicos alinhados aos interesses do rentismo, qualquer mudança será cosmética.


Leonardo: Para finalizar, qual seria o caminho para o Brasil romper com esse ciclo de financeirização e retomar um projeto de desenvolvimento soberano?


Prof. Miguel Bruno: Primeiro, é preciso enfrentar o poder do setor financeiro, reduzindo a dependência da dívida pública e dos juros altos. Isso passa por reformular o regime de metas de inflação, que hoje serve mais aos rentistas do que ao controle de preços, retomar o controle democrático sobre o Banco Central, acabando com sua falsa "autonomia" em relação ao governo eleito, criar um sistema de crédito direcionado para a indústria e a inovação, reduzindo a dominância dos grandes bancos, taxar grandes fortunas e rendas financeiras para financiar investimentos em infraestrutura e tecnologia e fortalecer políticas industriais estratégicas, como fez a China, para reduzir a dependência de commodities e do capital especulativo.  


O Brasil não sairá da armadilha da renda média enquanto o Estado estiver refém da lógica financeira. É preciso coragem política para enfrentar esse poder e construir um modelo de desenvolvimento que priorize emprego, indústria e soberania, e não apenas os lucros de banqueiros e rentistas. Sem isso, continuaremos sendo um país rico para poucos e pobre para a maioria.


O Brasil não sairá da armadilha da renda média enquanto o Estado estiver refém da lógica financeira.





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