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Os impactos da privatização dos Bancos Estaduais à luz do caso do Banespa

Revitalizando o Programa Nacional de Desestatização (PND) iniciado nos anos 90 durante o governo Collor, em 1998 o presidente Fernando Henrique Cardoso implementou a Nova Lei de Desestatização que incluiu o Programa de Incentivo à Redução da Presença do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária. Conhecido como Proes, o programa tinha como objetivo (como seu próprio nome já diz) reduzir, a ponto de extinguir, a participação dos estados brasileiros no setor financeiro. Um dos principais motivos que levou à implementação desse eram as grandes dívidas que os estados possuíam com seus próprios bancos; a privatização seria uma das soluções para o financiamento e quitação da dívida pela União.

Manifestações em defesa do Banespa
Manifestações em defesa do Banespa

O projeto tinha como principal instrumento para o seu andamento as linhas de financiamento do âmbito federal para o estadual, que lhe permitiam adotar as seguintes medidas em relação às suas instituições financeiras:

·         Extinção, nos casos das entidades já liquidadas extrajudicialmente, onde esses recursos seriam utilizados para pagar os credores, transformando esse regime em liquidação ordinária;

·         Privatização, onde o estado precisa seguir as normas estabelecidas para o processo de venda e as receitas são imediatamente usadas para abater o financiamento federal (sistema esse criticada por muitos, uma vez que essas vendas seguem sempre um decreto específico que corresponde aos interesses específicos de um governo);

·         Federalização, provendo uma transferência para os governos federais do benefício político dos ajustes prévios ao processo de privatização e do processo de privatização em si;

·         Transformação em Agências de Fomento, que, de acordo com o Conselho Monetário Nacional, limitaria à uma instituição por estado, e são limitadas a financiar projetos na área do estado a que pertencem, não podendo captar depósitos do público, não tendo contas de reserva bancária e não tendo acesso às operações de redesconto do Banco Central;


Todos esses processos executados pelos Proes tiveram como articulador e organizador o Banco Central, tendo iniciado através do controle e venda do antigo Banco do Estado de São Paulo (Banespa), um dos maiores bancos brasileiros que já existiu. Criado em 1909, o Banespa começou sua ruína nos anos 80, devido, principalmente, à enorme dívida que acumulava com o estado de São Paulo. Em 1994, devido à grave situação financeira do banco, com riscos de colapso, e visando controlar o sistema financeiro, o Banco Central retirou o controle do Banespa do estado paulista e passou a controlá-lo, a fim de iniciar seu saneamento e a preparação do mesmo para sua venda que fora anunciada tempos depois e, em colaboração com o BNDES e o Ministério da Fazenda, incluída no Projeto Nacional de Desestatização.


Liderada principalmente pelo Sindicato dos Bancários e a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a comoção contrária à privatização do banco tomou grandes proporções, atraindo cada vez mais holofotes e apoio popular. Entretanto, quase seis anos após a tomada do controle acionário do Banespa pelo BCB, no dia 20 de novembro de 2000, o banco acabou sendo vendido. Com um preço mínimo de leilão de aproximadamente 1,85 bilhões de reais, o banco espanhol Santander acabou o arrematando pelo valor de R$7,05 bilhões, 281% a mais do que o valor mínimo estabelecido. Com isso, 28 bilhões de reais em títulos públicos, empréstimos e outros ativos, além de inúmeras agências e um nome reconhecido mundialmente era trocado por um valor que muitos consideram pouco para a qualidade do banco.


Sendo um processo extremamente controverso, o leilão do banco estadual ainda hoje tem seus impactos na sociedade. Em seu artigo “O Processo de Privatização dos Bancos Estaduais”, o autor Sergio Anor Vieira traz os métodos do procedimento de avaliação utilizados pelo Banco Central no processo de federalização dos demais Bancos Estaduais para avaliar os seus valores (dando foco ao Banespa) e outros métodos utilizados para avaliar o “preço” de um banco por economistas, como a Metodologia dos Múltiplos Comparáveis, por exemplo.


Ao final de seu texto, Sergio apresenta uma das críticas ao processo: a dita subavaliação do Banespa pelo BCB. Através da Metodologia de Fluxo de Caixa Descontado - “Em outras palavras, para a obtenção do valor econômico, projeta-se o fluxo de caixa operacional e adiciona-se ou deduz-se, conforme o caso, os valores que não estejam vinculados às atividades fins da instituição financeira. Estes valores são representados por itens que, caso a caso, ao longo de suas existências, foram assumidos pelos bancos principalmente no tocante às contingências trabalhistas e fiscais.” (pag. 8) - o Banco Fator, um dos três contratados para analisar o caso, estipulou que o Banespa estava avaliado em R$5,85 bilhões. Porém, de acordo com pesquisas realizadas pela Unicamp/Diesse, que questionava os métodos aplicados pelos analistas, o Banespa teria sido subavaliado em mais de 6 bilhões de reais, decorrente de um erro na fixação na taxa de desconto nos investimentos não computados e no valor do cálculo do spread.


Além disso, muitos dos interessados na compra do banco reclamavam de uma falta de transparência nos dados oferecidos pelo Banco Central. Em argumento, o Bacen alegava que a falta de dados era devido ao sigilo bancário, que impossibilitava o órgão de divulgar os referentes dados, e pela falta de interesse dos funcionários do Banespa em liberarem esses dados por serem contrários à privatização.

Com todo esse processo, o Banco Central ao vender o Banespa e os outros diversos bancos e instituições financeiras estaduais, somando a aderência à financeirização no âmbito fiscal e monetário com o surgimento do Plano Real e outras peculiaridades advindas da década de 80 e 90 no Brasil, estava minguando possíveis alternativas ao desenvolvimento interno do Brasil, uma vez que muitos desses bancos eram responsáveis por financiar o desenvolvimento interno (como o Banespa, que era o principal financiador de pequenos agricultores).


A privatização do Banespa e de muitos outros setores públicos serve de luz para entendermos os grandes problemas em estarmos reféns do setor privado e o quanto o Banco Central, ao vender esses bancos, foi um grande impulsionador para manter os estados cada vez mais refém das políticas liberais que surgiram ao longo dos anos subsequentes do Governo FHC e, mais recentemente, nos governos Temer e Bolsonaro.


Referências

VIEIRA, Sergio Arnor. O processo de privatização dos bancos estaduais e o ProesPensar Contábil, v. 9, n. 37, 2007.


Luta contra venda do Banespa: exemplo de resistência. Disponível em: <https://spbancarios.com.br/11/2024/luta-contra-venda-do-banespa-exemplo-de-resistencia>. Acesso em: 10 abr. 2025.


JUNIOR, Cleofas Salviano. Bancos estaduais: dos problemas crônicos ao PROES. Banco Central do Brasil, 2004.‌

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