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O "Tarifaço" diante da política econômica externa dos Estados Unidos dos últimos 10 anos

O artigo feito pela pesquisadora Laura Von Daniels intitulado "Economy and national security: US foreign economic policy under Trump and Biden" analisa a política econômica externa dos EUA durante o 1º mandato de Donald Trump (2017 – 2021)  de Joe Biden (2021 – 2025). Nele, observa-se diversas semelhanças de medidas protecionistas que afetaram tanto países aliados, como países considerados rivais por Washington. Além disso, na maior parte dos casos obteve apoio bipartidário do congresso americano, o que pode indicar que nos próximos anos essa se torne a nova política de Estado do País.

Primeiro governo Trump

Durante a sua primeira campanha, Trump já deixava claro sua visão crítica do modo como estava sendo conduzida a política comercial em curso, em especial com a China que, de acordo com ele, estaria desvalorizando a moeda chinesa para baratear os produtos e prejudicar os EUA. 


Com a vitória nas eleições, uma das suas primeiras ações oficiais como presidente foi a realização do documento “Trade Policy Agenda 2017” que dentre diversas medidas, destacava a necessidade de redução do déficit comercial com a China, que em 2000 era de aproximadamente $81.9 Bilhões para $334 Bi em 2015, um aumento de 300% (fonte: US. Census Bureau). Segundo Laura, esse documento pavimentou o caminho para a adoção de tarifas unilaterais, inclusive contra países aliados, tendo como principal alvo a China, em razão do elevado déficit comercial bilateral.


Balança comercial externa dos EUA como um todo e com países selecionados


No gráfico, a linha azul é o saldo comercial total dos EUA, que mostra um déficit comercial continuo ao longo dos anos, que é comum devido ao grande volume de consumo doméstico e importação de bens. O destaque é para as barras verticais vermelhas que representa o saldo com a China e mostra a dependência de produtos manufaturados e intermediários, impulsionada pelos baixos custos de produção por unidade que os torna mais competitivos com relação aos demais países no mercado americano.


Além disso, Trump identificou o envolvimento de empresas chinesas nos principais setores de comunicação como ameaças internas, o que lhe permitiu, com amparo legal, aplicar sanções sem data de expiração. Apesar disso, não houve impacto significativo para a China. Em março de 2018, o relatorio da USTR (United States Trade Representative) acusou a China de práticas desleais relacionada a propriedade intelectual, Trump apoiado pelo congresso reagiu com tarifas de cerca de U$ 370 BI em produtos chineses. Essas tarifas foram incluídas em um dispositivo legal chamado “Section 301” que permite o governo a reagir contra práticas desleais de comércio. Esse foi o marco da guerra comercial entre os dois países e afetou amplamente a China e a economia internacional em geral.


Paralelo a esse cenário, o congresso americano identificou na estratégia chinesa “Made-in-China 2025” uma potencial ameaça que poderia comprometer a liderança tecnologica e industrial dos EUA no longo prazo. A resposta para isso veio nas aprovações das chamadas “Export Control Reform ACT(ECRA)” e “Foreign Investmente risk Review Modernization Act(FIRRMA)”. A primeira criou um conjunto de regulamentações de bens estratégicos chamada “Export Administration Regulation (EAR)” a segunda, um controle sobre investimentos estrangeiros em áreas sensíveis, como IA, semicondutores e telecomunicações.


O caso mais famoso dessa época, citado pela autora, foi o caso da Huawei, que passou a precisar de licença especial para obter tecnologia de empresas americanas. Como resultado, perderam acesso aos chips avançados e outros componentes críticos. Outra multinacional impactada foi a ZTE, que após violar embargos comerciais contra o Irã, sofreu com a suspensão de componentes pra sua cadeia produtiva.

Como mais uma forma de alinhamento político com relação a política externa, o congresso americano em 2017 aprovou com apoio bipartidário uma lei chamada “Countering America's Adversaries Through Sanctions Act (CAATSA)” que ampliou ainda mais as sanções para os adversários dos EUA e quem com realizam negócios, como Alemanha e Turquia.


Governo Biden

Joe Biden se elegeu com o discurso de apoiar a classe média americana, com três pilares: investir no futuro do país, apoiar os trabalhadores e reduzir os custos para as pequenas empresas prosperarem.  Ele reverteu algumas políticas de Trump, como o retorno à OMS e ao Acordo de París. Mas manteve diversos instrumentos coercitivos criados na administração anterior.


Em 2021, logo após o resultado das eleições, um documento de orientação chamado National Security Strategy (NSS) apontou o crescimento da China na esfera tecnologica e militar como o maior risco a segurança nacional, que foi reconhecido pelo secretário de Estado Antony Bliken.


Apesar dessa administração ter usado com bastante semelhança as tarifas, controles de exportação e filtragem de investimentos, com relação aos países aliados, Biden não entrou em conflitos tarifários. Além disso, ele engajou em cooperação, inclusive com a China em algumas áreas, notadamente em medidas relacionadas ao clima.


Com a pandemia do Covid-19, a vulnerabilidade das cadeias de suprimeitos globais dos EUA ficaram evidentes, inclusive em setores estratégicos. É nesse contexto que houveram políticas de incentivo como a “Chips and Science Act” e a “Inflaction Reduction Act”, a primeira oferecia subsídios para redução de chips estrangeiros, a segunda tinha tinha como objetivo a redução da inflação a partir dos problemas das mudanças climáticas e segurança energética.


No congresso, Biden recebeu amplo apoio na aplicação das sanções contra a Rússia, na Guerra da Ucrânia, e também na aplicação de tarifas. Apesar dessas restrições comerciais, a China continuou conseguindo chips de alta tecnologia, tudo indica que por intermédio de países vizinhos. Em contraste com Trump, a administração de Joe declarou que o objetivo seria desacoplar a economia americana da chinesa, em especial no caso de tecnologias críticas. Uma declaração que expressa de forma clara o ponto de vista americano durante essa administração é a do Secretário de Segurança Nacional, Jake Sullivan:


“Os controles de exportação de tecnologia podem ser mais do que apenas uma ferramenta preventiva [...] eles podem ser uma nova vantagem estratégica no kit de ferramentas dos Estados Unidos e seus aliados para impor custos aos adversários”


No fim de seu mandato, Biden conseguiu acordos comerciais com parceiros importantes, como Taiwan(US-Taiwan Iniciative on 21st Century Trade) e Japão (Atlantic Declaration). Ademais, realizou uma iniciativa para realocar a cadeia de suprimentos de semicondutores para o México, em 2023.


O "Tarifaço" de Trump

As novas tarifas de Trump impostas na última semana nos principais países, revela uma mudança na característica dessas tarifas comerciais, que diferente das anteriores, tem um alcance maior. A administração apresentou a fórmula matemática usada como critério para estabelecer essas novas medidas, que pode ser simplificada após o input dos parâmetros fixos ε e φ como o quociente entre o déficit comercial do país e as importações do país em questão


Fórmula do "Tarifaço"
Fórmula do "Tarifaço"

Nessa perspectiva, fica claro que o governo americano continua considerando como principal prioridade na política comercial externa a redução do déficit comercial com os países. Essas medidas tem um custo econômico doméstico que não pode ser ignorado: a inflação e a incerteza gerada por uma condução imprevisível da política. Esses efeitos tem como consequência respectivamente na a perda de poder de compra das famílias da classe média e baixa americana e no lado da oferta, incertezas quanto aos investimentos de longo prazo das empresas, como contratação, compra de máquinas, produção, entre outros.


Com relação ao Brasil, os EUA possuem superávit, devido a isso as tarifas não foram não elevadas se comparadas aos outros países. Esse cenário apresenta oportunidades de acesso para o mercado brasileiro, principalmente do setor agropecuário que concorre diretamente com o setor americano nos mercados chinês e europeu em produtos, como soja, carne bovina e carne de frango, conforme o gráfico abaixo.


Destino de exportações de produtos agropecuários do Brasil

Fonte: The Observatory of Economic Complexity
Fonte: The Observatory of Economic Complexity

As tarifas comerciais recentemente adotadas pela atual administração Trump, desse modo, são reflexo de uma tendência que já vinha se manifestando nas duas gestões anteriores. É evidente que o governo Biden não alterou a postura americana de utilizar tarifas comerciais como instrumento de coerção econômica, o que pode indicar, segundo a autora, que essa se tornará a principal tendência para a política de Estado norte-americana nos próximos anos.


Também é possível observar que o diagnóstico do governo Trump de que o déficit comercial americano é o principal problema enfrentado na política comercial . Isso pode indicar que novas tarifas ainda serão aplicadas, o que pode resultar em um cenário inflacionário.


Com essas novas tarifas impostas, podem surgir oportunidades para setores brasileiros que concorrem com os setores estadunidenses, uma vez que os produtos se tornarão mais caros devido às tarifas. Por conta da maior competitividade relativa em termos de preço, que facilita o acesso a mercados como o asiático e europeu.


Referência principal:

von Daniels, Laura. Economy and national security: US foreign economic policy under Trump and Biden. No. 11/2024. SWP Research Paper, 2024.

Referências:

BBC. Trump accuses China of “raping” US with unfair trade policy. BBC News, 2 maio 2016.

ICYMI: President Biden’s Essay on His Middle-Out, Bottom-Up Economic Playbook | The American Presidency Project. Disponível em: <https://www.presidency.ucsb.edu/documents/icymi-president-bidens-essay-his-middle-out-bottom-economic-playbook>.

Inflation Reduction Act of 2022 – Policies. Disponível em: <https://www.iea.org/policies/16156-inflation-reduction-act-of-2022>.

MENON, J. K., Rajan. Can the United States Really Decouple From China? Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2022/01/11/us-china-economic-decoupling-trump-biden/>.

President Biden really wants to boost chip manufacturing and he needs Mexico’s help to do it. Disponível em: <https://fortune.com/2023/01/10/biden-chip-manufacturing-mexico/>.

Reciprocal Tariff Calculations. Disponível em: <https://ustr.gov/issue-areas/reciprocal-tariff-calculations>.


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