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O mecanismo de subordinação da dívida pública: o caso Argentino

A ordem capitalista impõe uma hierarquização dos países, sendo um dos pilares os sistemas financeiros. Com o auxílio do mecanismo da dívida pública, a subordinação de países periféricos faz-se de forma latente, basta observar o sistema financeiro latino-americano. Nos países da América Latina, o “sistema da dívida pública” atua como agente principal da transferência de renda, seja na forma de lucros, juros ou dividendos, de países subdesenvolvidos para países desenvolvidos, a dívida pública e privada é fruto do desenvolvimento do capitalismo, à medida que pode ser avaliada como a acumulação originária do capital (MARX, 1867).



Primeiramente, para entender o atual sistema financeiro da América Latina é preciso relembrar o processo histórico de globalização financeira, que reforçou a posição periférica dos países latino-americanos na ordem capitalista. Esse processo começa em meados dos anos 1980 e passa a ser mais evidente nos anos 1990.O fato que precisa ser destacado é que os efeitos da liberalização dos fluxos de capitais sobre os sistemas financeiros nacionais são heterogêneos, uma vez que variam de acordo com condicionantes como o grau de abertura financeira; a gestão macroeconômica dos fluxos de capitais estrangeiros e, principalmente, das características específicas de cada sistema econômico.


Na esfera da globalização financeira, quanto maior o grau de abertura financeira somado ao grande fluxo de investimentos estrangeiros, maior será a influência desses fluxos estrangeiros sobre o sistema financeiro nacional. Sendo assim, é notório que no caso da América Latina os investimentos estrangeiros de portfólio trazem riscos de sérias crises que podem mostrar-se tanto no âmbito cambial, quanto no âmbito bancário.


A ocorrência de crises econômicas, em particular nos países latino-americanos com hiperinflação, serviu de justificativa para uma submissão aos ajustes de cunho neoliberal e, consequentemente, uma subordinação dos países latino-americanos ao núcleo hegemônico do capitalismo. Essa subordinação é legitimada pelas reformas impostas através do “Consenso de Washington” e, também, pela necessidade de financiamento para consolidar uma base industrial que depois começa a regredir devido ao regime de finance-led", característica das economias que possuem o Estado capturado pela elite rentista financeira (BRUNO, 2009).


Voltando para a questão da dívida pública, esse mecanismo resulta em maior dependência e reforça o subdesenvolvimento latino-americano, além de criar uma lógica de submissão da política em relação aos ajustes econômicos, lógica denominada de democracia restringida (Argumedo, 2000) que corresponde a políticas econômicas e “sociais" guiadas pelos interesses e necessidades de expansão do capital, como por exemplo o último aumento da taxa Selic para o patamar abusivo de 14,75%.


Analisando o caso da Argentina, a abertura financeira é total e decorrente de programas de estabilização monetária durante o governo de Carlos Menen. A total abertura é legitimada pelo Plano de Conversibilidade de março de 1991 no qual a Argentina adotou um regime de câmbio fixo com conversibilidade monetária, legitimando institucionalmente a dolarização como mecanismo para frear a desmonetização da economia e viabilizando a submissão financeira ao núcleo capitalista. Para observar melhor o tamanho da dívida externa da Argentina veja o gráfico a seguir:

Gráfico 1: Dívida externa bruta da Argentina em milhões[1]

Fonte: Banco Mundial, 2024. Elaboração: Lucas Castiglioni.
Fonte: Banco Mundial, 2024. Elaboração: Lucas Castiglioni.

            O fato mais evidente é que após os anos 1970, a dívida externa assume um comportamento crescente apesar de pequenos decrescimentos. Isso porque a dívida não só atuou como meio de financiamento dos gastos militares durante a ditadura de 1976, mas também trouxe uma reestruturação do modelo produtivo e de desenvolvimento, o modelo primário-exportador que reforça a dependência em relação aos países desenvolvidos.


O Banco Central da  República Argentina (BCRA) elaborou um relatório sobre o mercado de câmbio, dívida e ativos externos e avaliou que o instrumento de títulos em moeda estrangeira compõe maior parte da dívida pública Argentina no recorte de 2015-2019, o que evidencia o segmento dolarizado da economia argentina. Além disso, o BCRA a partir da nova Carta Orgânica do Banco Central de 1992 tornou-se independente, o que reduz a possibilidade de financiar o governo  de agir como emprestador de última instância. Outro fato que contribuiu com a abertura total das contas de capitais Argentina foi a Lei de Anistia Fiscal, também de 1992, e a desregulamentação do mercado de capitais, em 1991, que geraram a isenção de tributação a recursos repatriados de argentinos do exterior; o fim do imposto sobre transações financeiras e a autorização de empresas a emitirem títulos de dívida e comercial em moedas estrangeiras.


Por fim, o que se observa é uma subordinação das economias subdesenvolvidas com as economias desenvolvidas. Como brevemente apresentado o caso da Argentina revela essa a subordinação e a hierarquização baseadas em um dos diversos mecanismos capitalistas, a dívida pública, que não só reduz a autonomia na gestão das políticas macroeconômicas, como também reduz o aspecto democrático das políticas econômicas de caráter social.


Referências:

MARX, Karl . O capital: livro 1. 3. ed. São Paulo: Boitempo, 2023. v. 1. ISBN 978-6557172292.

QUINTAR, Aída; ARGUMEDO, Alcira. Argentina: os dilemas da democracia restringida. Lua Nova, São Paulo, n. 49, p. 36-63, 2000.

TRINDADE, José Raimundo Barreto; FRADE, Djalma da Silva; PUTY, Cláudio Alberto Castelo Branco. Dívida pública e dependência na América Latina: os casos do Brasil, Argentina e México na fase neoliberal. Revista de Economia, v. 43, n. 82, p. 711-744, 2022. DOI: 10.5380/re.v43i82.80110. 

GAMBINA, Julio C. La deuda pública condiciona la política: el caso argentino. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 70, p. 45–58, set./dez. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.69585/2595-6892.2024.1182.

FREITAS, Maria Cristina Penido de; PRATES, Daniela Magalhães. Abertura financeira na América Latina: as experiências da Argentina, Brasil e México. Economia e Sociedade, Campinas, n. 11, p. 173–198, dez. 1998.

BRUNO, Miguel A. P.; DIAWARA, Hawa; ARAÚJO, Eliane C.; REIS, Anna C.; RUBENS, Mario. Finance-led growth regime no Brasil: estatuto teórico, evidências empíricas e consequências macroeconômicas. 2009. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/2577

 


[1] Gráfico retirado do artigo GAMBINA, Julio C. La deuda pública condiciona la política: el caso argentino. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 70.

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